
As eleições legislativas antecipadas de 2025 deixavam o país em suspenso e um território em expetativa.
O desfecho, marcado pelo avanço significativo do partido CHEGA, agora segunda força política nacional, exige uma leitura responsável, lúcida e comprometida com a realidade.
A ascensão de uma narrativa radicalizada, sustentada na exploração de medos difusos, mas em certa medida sentidos por uma parte substancial da população, como a insegurança, perda de identidade, “ameaça” migratória, revelou o terreno fértil de uma sociedade que, em amplos sectores, se sente desamparada, desiludida e órfã de referências mobilizadoras.
São Vicente, freguesia de carácter plural e histórico, não está imune a esta vaga de desconfiança e crispação. Pelo contrário, é nela que se tornam ainda mais visíveis os sintomas de um afastamento progressivo entre eleitos e eleitores, entre decisões políticas e as reais preocupações das pessoas.
A rua, tantas vezes ignorada, começa a falar alto. E quando o espaço do diálogo se esvazia, é o grito que o substitui.
Neste novo cenário, o Partido Socialista, força política tradicionalmente enraizada no tecido democrático e social, tem de fazer mais do que um exercício de resistência: tem de reaprender a construir futuro.
O seu maior desafio não é vencer eleições, mas reconquistar a confiança social. E isso exige, antes de tudo, recentrar o debate político nas pessoas, devolver-lhes protagonismo e sentido de pertença.
É neste contexto que proponho uma nova tripla hélice da política local, Pessoas, Atores Políticos e Território, como modelo regenerador da acção pública, capaz de devolver à política o que lhe é essencial: humanidade, relevância e pretença.
- Pessoas: do Silêncio à Participação
Política sem pessoas é mera administração. A reabilitação democrática começa na escuta ativa, na criação de instrumentos eficazes de participação cívica e no reconhecimento de que cada cidadão é, por essência, um agente transformador do território. É urgente revitalizar o movimento associativo, apoiar as dinâmicas de base comunitária e instituir mecanismos permanentes de consulta e co-decisão. Precisamos de ir ao encontro da população, não apenas simbolicamente, mas com presença efetiva no terreno, onde os problemas ganham nome e os desafios se tornam quotidianos.
A política de proximidade faz-se na rua, com o pulsar da vida real, envolvendo as pessoas na identificação das prioridades e na construção das soluções.
A democracia vive, e só respira plenamente, onde há palavra partilhada, vínculo autêntico e responsabilidade assumida em conjunto.
- Atores Políticos: Ética da Presença e Responsabilidade Pública
A autoridade política já não se sustenta na distância simbólica nem na retórica de circunstância.
Os tempos exigem representantes que saibam estar no terreno, não apenas como emissores de promessas, mas como mediadores de causas, como pontes entre o decisor e o povo. A proximidade tem de ser quotidiana, concreta e tangível.
Liderar, hoje, é partilhar. É assumir a vulnerabilidade do encontro, a coragem do contraditório e o compromisso com a verdade. A empatia é uma competência política. A coerência, um imperativo ético.
- Território: Laboratório de Inovação e Comunidade
São Vicente pode e deve, ser um espaço de experimentação política inovadora. O território, quando compreendido como lugar vivido, é o palco ideal para ensaiar novas práticas: urbanismo participativo, ecossistemas colaborativos, economia local de proximidade, sustentabilidade ambiental integrada. O digital não é inimigo do local, pode ser seu aliado, desde que colocado ao serviço das pessoase da informação. Da regeneração urbana à criação de redes solidárias, tudo começa no reconhecimento do território como valor estratégico e emocional.
Neste tempo de transição e incerteza, não podemos responder ao ruído com mais ruído. A resposta à radicalização não é a complacência, mas a acção esclarecida. A resposta ao medo é o envolvimento.
E a resposta à apatia é o exemplo.
A democracia tem de se reinventar onde tudo começa: nas freguesias, nas praças, nos cafés, nas assembleias de bairro, no pulsar dos dias comuns.
São Vicente não precisa de mais distância. Precisa de proximidade qualificada. De políticas com rosto e com alma. De lideranças que inspirem e comunidades que se sintam parte da construção colectiva.
E falo com a legitimidade de quem é “filho desta freguesia”. Não por acaso, nem por conveniência, mas por essência.
Fiz-me criança e jovem, homem e pai de família em São Vicente, num dos bairros mais carismáticos, o Bairro das Andorinhas (que orgulho), onde a freguesia, a cidade pulsa com mais verdade e o quotidiano tem nome e rosto.
Aqui aprendi o valor da entreajuda, da palavra dada, da luta justa. Aqui formei a minha consciência cívica e política, não num qualquer laboratório ideológico, mas no chão firme das relações humanas, dos vizinhos que se conhecem, das causas que se vivem, das fragilidades e desafios que a vida proporciona.
São Vicente não é um conceito, é pertença.
E essa pertença traz consigo uma responsabilidade irrevogável, a de honrar a história e projetar o futuro.
Esta freguesia é hoje exemplo em muitos domínios, e tem em si um conjunto notável de pessoas, discretas mas determinadas, que muito podem e devem contribuir para esta nova dimensão da política local. É tempo de as convocar, de lhes abrir espaço, de lhes dar voz.
Porque o que aqui está em causa não é apenas um ciclo político. É a possibilidade real de construirmos uma freguesia mais humana, mais exigente e mais visionária, onde a política volte a ser, acima de tudo, um exercício de compromisso com o bem comum, feito por pessoas comuns.
Artigo de opinião de Bruno Torres.