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OpiniãoA incoerência do “eu é que estou certo”

A incoerência do “eu é que estou certo”

© Filipe Silva

Num mundo de frenética mudança, muitas vezes tenho a sensação que o politicamente correto se está a impor a qualquer raciocínio do bom senso.

Não digo que se deva travar a mudança, mas vemos exemplos chocantes de uma incoerência que nos pode descredibilizar a confiança de que estamos no caminho certo, pois os que se advogam da razão, não deixam qualquer espaço à liberdade dos que deles discordam…

Na última cerimónia dos óscares vimos em direto na TV uma situação que relevou a incoerência em que vivemos…

Lendo alguns comentários nas redes sociais ao sucedido, vemos duas correntes distintas: os adeptos e defensores da liberdade do humor e os que começavam seu discurso dizendo “condeno todo tipo de violência mas…”, e seguia-se todo um discurso sobre limites do humor, sobre bullying, etc, etc…

Podia começar por fazer de “advogado do diabo“, dizendo que o Will Smith inicialmente se riu da piada, que este tipo de humor desde sempre fez parte das apresentações dos óscares, ou que já uns anos atrás ele próprio usou esta mesma doença numa piada; mas também posso advogar que este tipo de humor mais não faz que normalizar o bullying, e assim ficávamos horas numa discussão sem fim.

Então, como tentar analisar o sucedido de forma racional? Analisando o mais básico: uma pessoa agrediu outra em direto na TV, continuou na cerimónia, acabou por ganhar um prémio e foi aplaudida no meio de uma chocante normalidade.

No seu discurso, pediu desculpa, mas fez uma coisa bem pior que a piada de mau gosto que isto originou… se esta piada é um claro exemplo do bullying que infelizmente está enraizado na sociedade, sua desculpa de que o amor leva a fazer coisas estúpidas, não fez mais que normalizar todas as agressões e situações de violência doméstica que usam da mesma razão…

Numa sociedade livre, há espaço para todo o tipo de humor e sim, apesar de ser um adepto incondicional, acho que se deve ter algum cuidado em dar antena em canais de acesso generalizado, pois para entendê-lo é necessário todo um exercício de razão onde se deve interiorizar que nada do que se diz deve ser levado a sério nem representa qualquer posição do humorista ou do público com as barbaridades ditas.

Se acham que é cada vez menos aceitável este tipo de humor, mesmo que este seja hábito por parte dos anfitriões dos óscares, não se virem contra o Chris Rock, ele apenas fez o número de sempre, o papel para o qual foi contratado… Se sentem a necessidade de se indignar, façam-no com a organização que o contratou ou com o canal que passou o espetáculo…

Mas, lembrem-se, este vosso direito de achar que não há lugar para este tipo de humor, é exatamente o mesmo que outra pessoa pode usar para queixar-se da televisão quando passa uma música do Quim Barreiros ou da Rosinha, só porque têm as letras “de significado ambíguo”… O mesmo também pode legitimar a crítica de algum filme ou livro que pode levar a normalizar alguma situação mais violenta. É mesmo este o caminho que acham que devemos seguir? Tantos anos de luta pela liberdade e estamos a voltar aos tempos da censura, do lápis vermelho, só porque discordamos? Quem vai delinear o que é correto ou não? Estão a ver o caminho perigoso em que nos podemos estar a encaminhar?

Eu, como pai, à medida que os miúdos vão crescendo e vão tendo acesso a mais conteúdos, permito o seu acesso sem censura, apenas tenho o cuidado que tenham um maior discernimento, que façam o exercício de situar-se no papel de outras pessoas e ver se certas atitudes podem ferir suscetibilidades, que decidam por si, que opinem se acham correto ou não…

A título pessoal, quando não gosto do que vejo ou ouço, tenho uma atitude mais radical, mudo de canal ou levanto-me e vou embora, pois vivemos numa sociedade livre em que há espaço para tudo e todos, nunca devendo pedir para nós o direito de decidir pelos restantes.

Artigo de opinião de Filipe Silva, informático.

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